segunda-feira, 8 de setembro de 2014

O Sequestro da América - Como as Corporações Financeiras Corromperam os Estados Unidos


Sinopse
Baseado em uma série de documentos judiciais recentemente divulgados, "O Sequestro da América" detalha a extensão dos crimes cometidos na especulação frenética que causou o crack em 2008. Defendendo a tese de que, a partir da administração Reagan, nos anos 1980, os dois maiores partidos políticos americanos se tornaram reféns da elite mais rica e voraz do país, o autor demonstra como a administração Clinton desmantelou os controles regulatórios que protegiam o cidadão médio dos financistas gananciosos; como a equipe de Bush destruiu a base da receita federal, com seus cortes de impostos grotescamente distorcidos a favor dos ricos; e como o primeiro governo de Obama permitiu que criminosos financeiros continuassem a operar sem controle, mesmo depois das supostas "reformas" implementadas após o colapso de 2008.

QUALQUER SEMELHANÇA COM NOSSA SITUAÇÃO (Brasil) ECONÔMICA E POLÍTICA É "MERA COINCIDÊNCIA"?!

Muitos livros já foram escritos sobre a crise financeira, mas há duas razões pelas quais decidi que ainda era importante escrever este.

A PRIMEIRA RAZÃO é que os caras maus escaparam e, surpreendentemente, houve pouco debate público a esse respeito. Quando recebi o Oscar de melhor documentário em 2011, eu disse: “Três anos após uma horrível crise financeira causada por fraude em massa, nenhum executivo financeiro foi para a cadeia. E isso é errado.” Questionados posteriormente sobre a falta de processos, altos funcionários do governo Obama responderam de maneira evasiva, sugerindo que não havia acontecido nada ilegal ou que as investigações prosseguiam. Nenhum dos principais candidatos republicanos à presidência levantou o assunto.

No começo de 2012 não havia ainda um único processo penal contra um alto executivo financeiro relacionado à crise financeira. Nem o governo federal fez qualquer tentativa séria de usar ações civis, confisco de bens ou liminares para multar ou obter indenizações dos responsáveis por lançar a economia mundial na recessão. Não porque não tenhamos evidências de comportamento criminoso. Desde o lançamento do meu filme surgiu um grande volume de material novo, em especial a partir de processos particulares, que revela – por intermédio de trocas de e-mails e outras provas – que muitos banqueiros, incluindo altos administradores, sabiam exatamente o que estava acontecendo, e que isso era altamente fraudulento.

(...) Há hoje evidências esmagadoras de que ao longo dos últimos trinta anos o setor financeiro dos Estados Unidos se tornou um setor sem princípios. À medida que sua riqueza e seu poder aumentavam, ele subverteu o sistema político do país (incluindo os dois partidos políticos), o governo e instituições acadêmicas de modo a se livrar de controle externo. À medida que a desregulamentação avançou, o setor financeiro se tornou cada vez mais antiético e perigoso, gerando crises cada vez maiores e uma criminalidade cada vez mais flagrante. Desde os anos 1990 seu poder tem sido suficiente para proteger os banqueiros não apenas de uma regulamentação efetiva, mas da própria legislação penal. O setor financeiro é hoje um setor parasitário e desestabilizador que constitui um grande empecilho ao crescimento econômico americano.

Isso significa que processos penais não são apenas uma questão de vingança, ou mesmo de justiça. Punição de verdade para o crime financeiro em grande escala é um elemento vital da rerregulamentação financeira, que por sua vez é essencial para a saúde econômica e a estabilidade dos Estados Unidos (e do mundo). Regulamentação é bacana, mas a ameaça de prisão faz a pessoa se concentrar. Um conhecido especialista, o gângster Al Capone, disse uma vez: “Você pode ir muito mais longe na vida com uma palavra gentil e uma arma do que apenas com uma palavra gentil.” Se os executivos financeiros souberem que irão para a cadeia ao cometer grandes fraudes que ameacem a economia mundial, e que sua riqueza ilegal será confiscada, provavelmente terão uma tendência muito menor a cometer tais fraudes e causar crises financeiras globais. Então, uma razão para escrever este livro é apresentar em detalhes claros os argumentos para processos penais. Neste livro demonstro que muito do comportamento por trás da bolha e da crise foi literalmente criminoso, e que a falta de processos é quase tão ultrajante quanto o comportamento original do setor financeiro.

A SEGUNDA RAZÃO pela qual decidi escrever este livro foi que a ascensão das finanças predatórias é ao mesmo tempo causa e sintoma de uma mudança mais ampla e ainda mais perturbadora na economia e no sistema político dos Estados Unidos. O setor financeiro está no cerne de uma nova oligarquia que ascendeu ao poder nos últimos trinta anos, e que modificou profundamente a vida americana. Os capítulos finais deste livro são dedicados a analisar como isto aconteceu e o que significa.

A partir de 1980 a sociedade americana começou a passar por uma série de alterações profundas. Desregulamentação, redução da aplicação das leis antitruste e mudanças tecnológicas levaram a uma concentração crescente na indústria e nas finanças. O dinheiro começou a desempenhar um papel maior e mais corruptor na política. Os Estados Unidos ficaram atrás de outros países em educação, infraestrutura e no desempenho de suas principais indústrias. A desigualdade aumentou. Como resultado dessas e de outras mudanças, os Estados Unidos estavam se transformando em um jogo de cartas marcadas – uma sociedade que nega oportunidades aos que não são filhos de famílias ricas, uma sociedade que se assemelha mais a uma ditadura terceiro-mundista do que a uma democracia avançada.

(...) nos últimos trinta anos os Estados Unidos foram tomados por uma oligarquia financeira amoral, e o sonho americano de oportunidade, educação e mobilidade social está hoje em grande medida limitado ao pequeno percentual mais abastado da população. As políticas federais estão sendo cada vez mais ditadas pelos ricos, pelo setor financeiro e por outros setores poderosos (embora algumas vezes muito mal administrados) como telecomunicações, assistência médica, automobilístico e energético. Essas políticas são implantadas e louvadas pelos servos voluntários desses grupos, em especial a liderança cada vez mais comprada dos partidos políticos, da academia e da indústria do lobby americanos.

Caso não seja interrompido, esse processo transformará os Estados Unidos em uma sociedade decadente e injusta com uma população empobrecida, raivosa e ignorante sob o controle de uma pequena elite ultrarrica. Tal sociedade seria não apenas imoral, mas também instável e perigosamente fértil para o extremismo religioso e político.

Até o momento os dois partidos políticos foram muito inteligentes e eficazes em esconder essa nova realidade. De fato, os dois partidos criaram uma espécie inovadora de cartel – um acerto que chamei de duopólio político americano, e que analiso detalhadamente mais à frente. Os dois partidos mentem sobre o fato de que se venderam ao setor financeiro e aos ricos. Até agora eles tiveram bastante sucesso com a mentira, em parte ajudados pelo enorme volume de dinheiro que é gasto hoje com propaganda política enganosa e manipuladora. Mas isso não pode durar indefinidamente; os americanos estão ficando com raiva, e mesmo quando equivocadas ou mal informadas, as pessoas têm uma sensação profunda, visceral, de que estão sendo sacaneadas. Tanto o movimento conservador Tea Party quanto o Occupy Wall Street são pequenos sinais iniciais disso.

(...) Antes de entrarmos no cerne dessas questões, eu talvez devesse fazer um comentário sobre minhas convicções. Não sou contra empresas, lucros ou enriquecimento. 

Não tenho nenhum problema com pessoas ficando bilionárias – caso consigam isso vencendo uma disputa justa, caso suas realizações justifiquem isso, caso paguem sua parcela justa de impostos e caso não corrompam sua sociedade. As pessoas que fundaram a Intel ficaram muito ricas – e isso é ótimo. Elas tinham doutorado em física. Elas trabalharam muito duro. Trataram seus funcionários com justiça. E nos deram mil vezes mais do que tomaram. Em sua primeira década de operações, a Intel inventou microprocessadores e as três formas mais importantes de memórias de semicondutores. Um dos fundadores da Intel – Robert Noyce, que eu uma vez tive a honra de conhecer – foi ele mesmo um dos inventores do circuito integrado. Não tenho nenhum problema com o fato de que Bob Noyce, Gordon Moore e Andy Grove ganharam muito dinheiro. O mesmo vale para Larry Ellison, da Oracle; Steve Jobs e Steve Wozniak, da Apple; os fundadores de Google, eBay, Craigslist, Amazon e Genentech, e, a propósito, Warren Buffett.

Mas não foi assim que a maioria das pessoas citadas neste livro ficou rica. A maioria delas ficou rica por conta de boas ligações e falta de escrúpulos. E elas estão criando uma sociedade na qual se pode cometer crimes econômicos terrivelmente daninhos com impunidade, e na qual apenas os filhos dos ricos têm a oportunidade de fazer sucesso.

É com <ISSO> que eu tenho problemas. E acho que a maioria das pessoas concorda comigo.


(...) Para a maioria dos americanos, há muitos anos salários e renda familiar total têm se mantido estáveis ou diminuído. A crise financeira, a recessão e a recuperação” sem empregos que os Estados Unidos experimentaram desde 2008 são apenas a mais recente e pior provação de um processo que começou muitos anos antes. De fato, mesmo durante a prosperidade artificial da bolha financeira de 2001-2007 os salários dos americanos médios permaneceram estáveis ou diminuíram, enquanto a renda dos ricos disparou.

Nenhum outro país desenvolvido, nem mesmo a Grã-Bretanha com sua tradicional divisão social, chega perto das extremas desigualdades de renda e riqueza dos Estados Unidos em 2002. Entre 2001 e 2007, os anos da grande bolha financeira, o 1% superior das famílias americanas ficou com metade do crescimento total de renda do país. Não costumava ser assim; a mudança começou nos anos 1980. A parcela de renda tributável da camada superior de 1%, incluindo ganhos de capital, passou de 10% em 1980 para 23% em 2007. É a mesma percentagem que vigorara em 1928, e aproximadamente o triplo da parcela que o 1% mais alto detinha nos anos 1950 e 1960, quando os Estados Unidos tinham um crescimento econômico muito maior e nenhuma crise financeira. Com a queda violenta das ações desde a quebra financeira, a parcela do 1% superior caiu para “apenas” 17% em 2009, mas depois subiu novamente para cerca de 20%. Hoje a riqueza americana é ainda mais concentrada que a renda – o 1% mais rico dos americanos possui cerca de um terço de toda a riqueza líquida do povo americano, e mais de 40% de toda a riqueza financeira dos Estados Unidos. Isso é mais que o dobro da parcela detida pela camada inferior de 80% da população.5

Em consequência, nem todos sofreram na década anterior; CEOs, o setor financeiro, o de energia, lobistas e os filhos dos já ricos se saíram bem. Desde 2000 as quatro maiores petroleiras americanas acumularam mais de 300 bilhões de dólares em lucros excedentes – definidos como lucros acima da taxa de lucro da década anterior. Os bônus dos bancos de investimento foram enormes também – estimados em 150 bilhões de dólares ao longo da década. O salário anual médio dos banqueiros de Nova York, que hoje é de 390 mil dólares, permaneceu basicamente igual mesmo depois que o setor entrou em colapso em 2008.

O outro lado do aumento da desigualdade no país é um declínio obsceno e moralmente indefensável da justiça da sociedade americana – em educação, oportunidade de emprego, renda, riqueza e mesmo saúde e expectativa de vida. Com exceção das famílias ricas, as crianças nos Estados Unidos têm hoje menos educação que os pais, e irão ganhar menos dinheiro que eles. Ainda pior, as oportunidades e as vidas dos jovens americanos são cada vez mais determinadas pela riqueza dos pais, não por suas próprias capacidades ou seus esforços.

Muitos americanos sem dúvida ainda acreditam no sonho americano. É o caso de pensar por quanto tempo conseguirão sustentar essa ilusão, pois os Estados Unidos estão se transformando em um dos países industrializados mais injustos, mais rígidos e com menos mobilidade social. Nos Estados Unidos, hoje, a renda familiar tem peso de aproximadamente 50% para determinar as perspectivas econômicas de um filho durante a vida. Alemanha, Suécia e mesmo a França, com sua forte estrutura de classe, são hoje sociedades mais justas e com maior mobilidade social que os Estados Unidos – em média a renda familiar tem peso de apenas cerca de 30% na determinação do desempenho da geração seguinte. As sociedades realmente igualitárias com grande mobilidade são Canadá, Noruega, Dinamarca e Finlândia, onde a renda dos pais responde por apenas cerca de 20% dos ganhos de um filho durante a vida. Mesmo muitos países “em desenvolvimento”, como Taiwan e Coreia do Sul, têm hoje graus de oportunidade e igualdade superiores aos dos Estados Unidos.

(...) Pairando acima de tudo isso há uma impressionante, embora completamente cínica, inovação por parte dos políticos americanos: o duopólio político. Ao longo do último quarto de século os líderes dos dois partidos políticos aperfeiçoaram um sistema impressionante de permanecer no poder enquanto servem à nova oligarquia dos Estados Unidos. Ambos recebem um enorme volume de dinheiro, sob muitas formas – doações de campanha, lobbies, contratações pelo setor privado, favores e acesso especial de diversos tipos. Políticos dos dois partidos enriquecem e traem os interesses do país, incluindo a maioria das pessoas que votaram neles. Mas os dois partidos ainda conseguem apoio porque exploram habilmente a polarização cultural dos Estados Unidos. Os republicanos alertam os conservadores para os perigos de secularismo, impostos, aborto, bem-estar social, casamento gay, controle de armas e liberais. Os democratas alertam os social-liberais para os perigos de armas, poluição, aquecimento global, proibição do aborto e conservadores. Ambos os partidos fazem uma cena pública de como seus confrontos são ácidos e como seria perigoso que o outro partido chegasse ao poder, enquanto se prostituem com o setor financeiro, indústrias poderosas e os ricos. Assim, a própria intensidade das diferenças entre os dois partidos quanto a “valores” permite a eles cooperar no que diz respeito a dinheiro.

TRECHOS ACIMA EXTRAÍDOS DE:
Pages from FERGUSON_OSequestroDaAmerica_28-01-13

VER TAMBÉM:
Charles Ferguson: "O setor financeiro pode fazer estragos enormes"
O documentarista e escritor americano afirma que uma elite financeira “sequestrou” a política dos Estados Unidos. Para ele, nada mudou no país desde a crise de 2008
RODRIGO TURRER - 01/08/2014 07h01 - Atualizado em 01/08/2014 08h19


2012 Robert Bridge: Meia-noite no Império Americano-Como corporações e seus agentes políticos estão destruindo o Sonho Americano // Deveria o Mundo dos Negócios ser separado da Política, como foi o caso com a separação entre Igreja e Estado?

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