terça-feira, 30 de outubro de 2018

Para Que Serve a História? - Na Economia: Evoluções Exponenciais. Na Política: Experiências Para Tentar Reconstruir "Idades_Douradas"

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Lições de história do maior best-seller da atualidade
Há anos nas listas de livros mais vendidos em todo o mundo, ‘Sapiens’ explica por que é fundamental questionar mitos e fazer perguntas difíceis

Renato Prelorentzou

02 Março 2018 | 11h09
Trechos  (para realces e cores acrescentados ao original, sem mudanças de textos, cujo conteúdo tem muitas outras pérolas de analises do livro) de:

Os sapiens nasceram na África Oriental há uns 200 mil anos e viveram muitos milênios quietos no seu canto. Não faziam nada particularmente sofisticado, nem tinham qualquer vantagem sobre as outras espécies de humanos (sim, 100 mil anos atrás existiam pelo menos seis espécies do gênero Homo, ou seja, de humanos).

Mas, há cerca de 70 mil anos, os sapiens começaram a fazer coisas notáveis:* inventaram arcos, flechas, barcos, lâmpadas a óleo e agulhas para costurar roupas quentes. Criaram religiões, mercados, moedas e estratificações sociais. Tomaram continentes inteiros. Exterminaram incontáveis espécies. Construíram impérios.

Tudo isso só aconteceu por causa da Revolução Cognitiva: os sapiens desenvolveram uma linguagem capaz de falar de coisas que não estavam presentes ou nem mesmo existiam. Hoje se sabe que muitos animais têm linguagens para descrever a realidade ao seu redor (o que lhes serve para alertar sobre presas e predadores, por exemplo). Mas o que os sapiens adquiram foi a capacidade de conceber um mundo imaginado em cima dessa realidade objetiva. O segredo dos _sapiens_ foi a ficção.

Com sua capacidade de contar histórias, os sapiens inventaram lendas, mitos, deuses e religiões – e logo depois valores, leis, nações, dinheiros, empresas, progresso. Assim, puderam se unir em grupos cada vez maiores de indivíduos que acreditavam nas mesmas coisas e, por isso, cooperavam entre si. As histórias que imaginavam coletivamente não eram mentiras, mas sim uma “cola mítica”, um universo de coisas abstratas que lhes permitiram dominar e transformar as coisas concretas.

(...)

Essas “ordens imaginadas”, diz Harari, têm raízes tão profundas no mundo concreto e definem tanto do que somos, pensamos e desejamos que podem nos convencer de que são mais que “mitos compartilhados”.

Trata-se de uma “lei férrea da história que toda hierarquia imaginada negue suas origens ficcionais e afirme ser natural”, ou mesmo divina, como se refletisse uma “verdade cósmica eterna, e não um processo histórico causal”. Mas o fato é que a “as hierarquias sociopolíticas carecem de base lógica ou biológica – elas não passam da perpetuação de eventos ocasionais sustentados por mitos”.

É bem óbvio, mas parece cada vez mais necessário repetir: homens, brancos, ricos ou europeus não são naturalmente superiores a mulheres, negros, pobres ou índios. Não existem diferenças naturais entre os diversos grupos de sapiens. O que existem são processos históricos que produzem e reproduzem relações de poder.

Esse é um bom motivo para se estudar história. 

“Quanto melhor se conhece determinado período histórico, mais difícil explicar por que as coisas aconteceram de um jeito, e não de outro”, diz Harari. 

“Aqueles que têm um conhecimento apenas superficial tendem a se concentrar apenas na possibilidade que realmente ocorreu. Fornecem um relato exato para explicar, em retrospectiva, por que determinado resultado era inevitável”

Quem desconhece a história acaba se aferrando a esse determinismo – que pode ser bem confortável.

Mas “aqueles que têm um conhecimento mais profundo são muito mais conscientes das estradas não percorridas”, sabem que o estudo do passado nos aproxima da compreensão do que aconteceu e também do que poderia ter acontecido. “Estudamos história para ampliar nossos horizontes, entender que nossa situação presente não é natural nem inevitável e que, consequentemente, existem mais possibilidades diante de nós do que imaginamos”.

A ficção, a extraordinária ferramenta cognoscitiva que nos possibilitou cooperar e evoluir, foi utilizada também para justificar todo tipo de segregação e destruição do mundo e dos outros, em nome de um deus, de um país, de uma ideia, do progresso. Com uma clareza propícia a tempos como os nossos, Harari ensina que pensar historicamente é desmistificar essas ordens imaginadas e fazer as perguntas difíceis, desconfortáveis.

(..)

Além do artigo acima - para mais detalhes, com o próprio Harari - veja o vídeo TED:

Yuval Noah Harari: O que explica a ascensão dos humanos?  TED Talk

https://www.ted.com/talks/yuval_noah_harari_what_explains_the_rise_of_humans/transcript?6&language=pt-br

Resumo - A Ascensão do Fascismo e do Nazismo


Copiado (para realces e cores acrescentados ao original, sem mudanças de textos, cujo conteúdo tem muitas outras pérolas de analises do livro) de:

O período do entre guerras (1919-1939) foi a época do descrédito e da crise da sociedade liberal. Essa sociedade, agora desacreditada, havia sido forjada no século XIX, com a afirmação do capitalismo como sistema econômico "perfeito". Na segunda metade deste século, o mundo absorvia os progressos da segunda fase da Revolução Industrial cujo auge se situa entre 1870 e 1914. 

O imperialismo e colonialismo europeu deram aos principais países desse continente a hegemonia do mundo e, por isso, uma ótica de encarar o futuro de forma entusiástica e otimista.

Após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), pólos de poder acabaram (Alemanha, Inglaterra, França, Rússia, etc.). Na América, os Estados Unidos, com sua economia intacta, se tornaram os "banqueiros do mundo". Na Ásia, após a Revolução Meiji (1868), o Japão se industrializara se tornou imperialista e aproveitou o conflito mundial para estender seu poderio na região.



Na descrença dessa sociedade pós-guerra, os valores liberais (liberdade individual), política, religiosa, econômica, etc. começaram a ser colocados sob suspeita por causa da impotência dos governos para fazer frente a crise econômica capitalistas que empobrecia cada vez mais exatamente o setor social que mais defendia os valores liberais: a classe média.

Concomitantemente, as várias crises provocaram o recrudescimento dos conflitos sociais e, o mundo assiste imediatamente após a guerra, uma série de movimentos de esquerda e um fortalecimento dos sindicatos. O movimento operário já havia se cindido entre socialistas ou social-democratas (marxistas que haviam abandonado a tema de luta armada e aderiram à prática político-partidária do liberalismo) e comunistas (formados por frações que se destacaram do movimento operário seguindo os métodos bolchevistas vitoriosos na Rússia (1917). Esse dois grupos eram antagônicos.

Toda a euforia e otimismo foi substituído por um pessimismo que beirava o descontrole após a guerra. Esse pessimismo era sentido entre os intelectuais de classe média, e se manifestou principalmente no antiparlamentarismo, no irracionalismo, no nacionalismo agressivo e na proposta de soluções violentas e ditatoriais para solucionar os problemas oriundos da crise.

Os países mais afetados pela política social-democrata foram a Alemanha (derrotada), a Itália (mesmo vitoriosa, insatisfeita com os resultados da guerra) onde, a crise se manifestou de forma mais violenta. Nesses países o liberalismo não conseguira se enraizar. 

Ambos possuíam problemas nacionais latentes, por isso, a formação de grupos de extrema-direita, compostos por ex-militares, profissionais liberais, estudantes, desempregados, ex-combatentes, etc., elementos que pertenciam a uma classe média que se desqualificava socialmente e eram mais sensíveis aos temas antiliberais, nacionalistas, racistas, etc.

Na Itália, Mussolini e na Alemanha, Hitler formavam organizações paramilitares que utilizavam a violência para dissolver comícios e manifestações operárias e socialistas, com a conivência das autoridades, que viam no apoio discreto ao fascismo um meio de esmagar o "perigo vermelho", representado por organizações de extrema-esquerda, mesmo as moderadas como os socialistas.

De início, esses grupos que eram mais ou menos marginalizados se valiam de tentativas golpistas para a tomada do poder como foi o caso do "putsh" de Munique, dado pelo Partido Nazista na Alemanha.

À medida que a crise se aprofundava e o Estado não a debelava assim como se mostrava incapaz de sufocar as agitações operárias, essas organizações fascistas e nazistas viam aumentar seus quadros de filiação partidária. 

Os detentores do capital passaram a financiar essas organizações de direita, vendo na ascensão delas um meio de esmagar as reivindicações da esquerda e a possibilidade de ser posta em prática uma política imperialista no sentido de abertura de novos mercados. 

Por essa atitude dos capitalistas entende-se porque tanto Mussolini quanto Hitler chegaram ao poder por vias legais.


segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Vacinando a Democracia contra sua Fragilidade Intrínseca

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Em Defesa da DEMOCRACIA 08/02/2014 

[Claudio: necessitaremos, não importa quem elegermos... 
(de mensagem no WhatsApp enviada antes do final da Eleição 2018). 
Para explorar o assunto estou usando trechos - com alguma reformatação - do excelente texto que pode ser lido completo aqui:

(...) Mesmo hoje, podemos encontrar ainda notáveis discursos antidemocráticos, e invariavelmente seus argumentos remontam à Platão, cuja magnífica envergadura filosófica não o impediu de ficar conhecido como o maior opositor intelectual da democracia em todos os tempos.

O argumento platônico em si é simples. Afirma basicamente que é inevitável que a democracia degenere para um tipo de populismo que em última instância irá se transformar num tipo de tirania. Ou seja: O sistema seria vulnerável a uma corrupção natural, que faria com que indivíduos de grande capacidade demagógica e influência moralmente discutível, assumissem o controle do governo, abrindo caminho para toda sorte de degeneração. Assim, a democracia esconderia na realidade uma oligarquia, um governo de elites que dominam o discurso democrático, induzindo o povo a pensar como eles.

O outro lado da crítica platônica é que o verdadeiro governo deveria ser o de uma Aristocracia, que difere da Oligarquia porque, embora ambos sejam governos de minorias, a oligarquia seria de uma minoria interessada somente em si própria, ao passo que a Aristocracia seria o governo dos "melhores" no bom sentido, isto é, cidadãos altamente esclarecidos e bem intencionados, com o propósito firme de beneficiar toda a sociedade.

Mas não é preciso ler A República de Platão para entender de um modo claro, ainda que simplista, como o problema pode ser colocado. Basta prestar atenção à alguns dos diálogos de Guerra nas Estrelas - Episódio II. Num deles, a princesa Amidala, defensora da república democrática galáctica, diz a Anakin Skywalker: Populismo não é democracia. Dá ao povo o que ele quer, não o que ele precisa.

Mais adiante, novamente dialogando com o futuro Darth Vader, braço direito do Imperador Galáctico que aboliria a democracia, temos o seguinte desenvolvimento:

Anakin: Precisamos de um sistema onde os políticos se reúnam e discutam o problema, de acordo com os melhores interesses do povo, e então ajam.
Amidala: É exatamente o que fazemos. O problema é que as pessoas nem sempre concordam. Na realidade, raramente o fazem.
Anakin: Então deveriam ser persuadidas.
Amidala: Por quem? Quem as faria concordar?
Anakin: Não sei. Alguém sábio.
Amidala: Isso parece muito ditatorial para mim.
Anakin: Bem, se é o que funciona...

Quem foi capaz de distinguir esses diálogos em meio a pirotecnia Star Wars não tem como não ter percebido o problema. Se o povo não é capacitado para dizer o que ele próprio precisa, então quem é? E o pior, como ele saberá quem é?

Isso me faz lembrar o problema acerca do dilema da procedência divina: Como podemos saber que uma revelação vem de Deus?

Ora, se for pelo seu conteúdo, então somos nós que dizemos se a coisa é boa ou não, e então não precisamos de revelações divinas. Mas se não temos essa capacidade, se não podemos dizer o que é certo ou errado, então como saberemos se a revelação é mesmo de uma fonte divina boa, ou de uma fonte diabólica maligna?

É evidente que só há uma solução, tomarmos para nos mesmos a responsabilidade pela escolha, dispensando legislações divinas ou tiranos pretensamente sábios. Isso nos joga no árduo terreno de termos que arcar com os nossos próprios erros, mas na realidade, não temos outra escolha, então, é melhor admitir essa limitação.

Aplicando isso à crítica platônica, podemos distinguir basicamente dois aspectos. (...)


O Quarto Elemento para Entender a Tríade: Liberdade - Igualdade - Fraternidade






(...) é preciso lembrar que da mesma forma como podemos notar pontos ditos como positivos e negativos na Liberdade, Igualdade e Fraternidade, deveríamos esperar o mesmo neste Quarto Elemento Oculto, e para facilitar essa noção, abandonarei o uso do termo Absolutismo, substituindo pelo menos incômodo Universalismo.

Justifico tal mudança, pelo ponto em comum que há entre os dois conceitos. Absoluto pressupõe algo completo em si próprio, perfeito, isento de erro e impureza. Ora tal conceito em si necessariamente seria imutável, e consequentemente universal, pois se manteria inalterado independente do contexto. O Universal em si, também é algo que tem aplicação em qualquer contexto.

Assim, espero depurar esse quarto elemento de sua pejoração histórica, que se resume a um poder político desmedido, ou uma ordem social esmagadora, e ficar somente com a ideia de uma noção transcendente, que estaria acima das imperfeições relativas, ou, ao menos, num grau mais elevado em relação a outros conceitos operacionais.

Essa ideia levará então a uma elevação do conceito de Fraternidade para sua exponenciação maior, que é uma Fraternidade Universal.

Considerando a necessidade humana por valores absolutos, é compreensível o efeito da "falta de solo" que a derrubada do sistema de coisas absolutista resultou. O Relativismo, embora fundamental para o aperfeiçoamento de novas visões de realidade, trouxe entre seus inúmeros benefícios o problema da dificuldade de se estabelecer um norteamento.

Outrora acreditava-se consensualmente numa natureza humana específica, que podia ser utilizada como forma de justificar o estado de coisas, visto integrar conceitos como desigualdades inerentes entre humanos e povos, e consequentemente hierarquias naturais, que por hábito, eram sacramentadas.

Os séculos XIX e XX viriam a por em cheque a noção de que exista algo de essencial ao ser humano que possa ser pressuposto como independente da influência externa, e com isso pode-se dar um golpe fatal nos vieses que estabeleciam que a sociedade deveria refletir uma "Cidade de Deus" agostiniana devido a imperativos naturais.

A derrubada de outras noções tidas como espontâneas, como a superioridade das etnias europeias sobre as africanas, dos homens sobre as mulheres, ou dos nobres sobre os plebeus, foram conquistas que movimentos intelectuais de caráter sociológico, antropológico e existencialistas ajudaram a consolidar.

No entanto, deve ter havido excesso ao eliminar não só certas especificidades dessas pressuposições naturalistas, mas a própria ideia de natureza humana em si, visto que a partir daí, desprovido de um norteamento sobre sua essência intrínseca, abriu-se a ideia de que a humanidade poderia ser qualquer coisa que a engenharia social permitisse.

Em síntese, derrubou-se uma coleção de pressuposições específicas de natureza humana, e abriu-se caminho para outras, onde estados absolutistas contemporâneos podiam, mais uma vez, mover seus aparatos ideológicos para, por meio da educação massificante, censura e propaganda extensiva, lograr um novo molde para o ser humano, desta vez, porém, de uma forma amplamente deliberada e consciente.

De fato, se não há nada intrínseco ao ser humano, ele pode ser moldado de acordo com seu ambiente, então, não haveria motivos para não moldá-lo de modo intencional, visando um tipo de humano perfeitamente integrado a um modelo prévio de sociedade.

A grande diferença entre o velho Absolutismo e novo Totalitarismo seria que o antigo moldava o ser humano de modo inercial, pelo simples hábito pouco ou nada questionado, baseado numa pressuposição tradicional, e o novo molda de acordo com um planejamento prévio revolucionário, visando instituir um novo estado de coisas.

O sucesso relativo de ambos os sistemas pode ser explicado pela aparente necessidade, ou forte tendência a se acomodar, a vieses absolutos. Os humanos parecem ter grande apreço por segurança conceitual, ter normas sólidas e claras pelas quais possam se guiar.

Estados absolutistas modernos, no sentido mais próximo do clássico, podem ser vistos entre os obtidos por revoluções islâmicas. Nesse caso, mais uma vez, não temos uma engenharia social no sentido de um planejamento consciente de estado de coisas em vista a um modelamento da natureza humana, mas sim uma pressuposição de natureza, por meio de obra divina, que deve ser respeitada.

Nesse caso, podemos mais uma vez evocarmos o tema da Fraternidade como um rótulo capaz de identificar peculiaridades deste movimento. De certo que o Talibã ou a Revolução de Khomeini não tinha qualquer apreço pela Revolução Francesa, mas ainda assim seus movimentos podem ser entendidos como a emergência de uma nova identidade integrativa, por meio da religião, que unindo o povo em torno de um ideal, os identificasse como semelhantes sob um mesmo princípio absoluto, a submissão a Deus.

Nesse caso, o movimento vai de encontro à Liberdade, visto que derruba a base do liberalismo, que é o religioso, e também de encontro à Igualdade, visto derrubar a base mais primária de igualdade entre os humanos, a de gênero, ainda que em outros níveis possa promover alguma igualdade relativa, ao derrubar certas castas sociais. Nesse caso, como podemos ver, é possível haver choques em "igualdades distintas".

E, finalmente, embora reflita um ideal fraternal, unindo todos sob uma denominação religiosa, mais uma vez trata-se de uma fraternidade restrita, visto excluir automaticamente qualquer identidade não islâmica, e no caso até algumas islâmicas de tendência diferente.

A força desse movimento reside antes de tudo em atender uma necessidade, a de fornecer valores absolutos de forma clara. Valores Universais, livres das dificuldades intrínsecas do relativismo, que obriga os seres humanos a assumirem de forma radical o desafio de promover, por si próprios, sua visão e ação no mundo. 

Enfim, para sistematizar melhor, voltemos a alguns pontos principais.

1 - As tendências ideológicas atuais costumam ser definidas por dicotomias como Esquerda e Direita, ou Progressismo e Conservadorismo, ou Conservadorismo ou Liberalismo. Em outros contextos, como Secularismo e Religiosidade, Coletivismo e Individualismo ou Neoliberalismo e Estruturalismo.

2 - Tais dicotomias, ou em alguns caos "tricotomias", não costumam ser suficientes para um entendimento claro dos ideais em jogo. O panorama atual tende a ser muito mais complexo do que esses simples rótulos.

3 - Rótulos muito mais eficientes podem ser invocados para agrupar as tendências em questão, e são os lemas da Revolução Francesa: Igualdade, Liberdade e Fraternidade, acrescentando-se um quarto elemento, que tem origem no Absolutismo, que pode também ser nomeado de Universalidade.

4 - Todos esses quatro grupos podem ter aspectos visto como positivos e negativos, e o desequilíbrio entre eles tende a gerar modelos de sociedade reconhecidamente problemáticos.

5 - Assim, uma estruturação ideal deveria refletir um equilíbrio não só entre Igualdade e Liberdade, por meio de um apelo a Fraternidade, mas também com o reforço de uma noção que tenha tendência ao absoluto, no caso, uma Fraternidade Universal.

E essa Fraternidade Universal é algo que só poderá ser obtido por meio de uma base consensual, um norte direcionador, que não deve proceder de revelações divinas nem de ideologias que preguem vieses específicos que privilegiam um ou outro dos lemas revolucionários.

Esse norte direcionador, essa base universal, a meu ver, só poderá ser obtida de forma satisfatória num sistema democrático, por meio da Razão Pública, que integrará elementos racionais compartilhados e suficientemente bem construídos para ter apelo racional universal. Tema do próximo, e último capítulo.


A RAZÃO PRIVADA e A RAZÃO PÚBLICA

A Democracia, como vimos, pode ser de vários tipos, aqui nos interessa o modelo deliberativo, isto é, onde os cidadãos, no caso, seus representantes legalmente eleitos, se reúnem para tomada de decisões. Nesse espaço decisório, deve haver regras para a condução das discussões, e além das mais óbvias, temos como um guia principal a noção de Razão Pública.

John Rawls, numa linha kantiana, entende esse tipo de Razão como uma que seja adequada ao fórum público no sentido de estar conectada com o interesse geral, e que possa ser devidamente considerada por todos, em contraposição a razões privadas que só interessam a grupos específicos, e ou não são aceitas por todos, a exemplo das razões religiosas, que normalmente só são consideradas legítimas pelos membros daquela religião.

Por outro lado, questões de ordem econômica, política e social, normalmente, afetam a todos e a todos interessam, portanto podem ser evocadas no fórum público.

Para exemplificar com um tema atual, não é válido contestar a Lei "Seca" devido a um interesse pessoal em beber e dirigir, mas somente como um interesse coletivo que importe a outras pessoas, ou a questões relativas à liberdade, ou a manutenção de empregos em bares etc. Razões como essas podem ser levadas ao debate, ainda que possam vir a ser derrotadas (como, neste caso, espero que sejam).

É de especial interesse uma clara delimitação do que é de fato uma razão pública, e uma privada, para evitarmos que interesses particulares invadam a esfera pública e promovam decisões e ações em interesses exclusivos de alguns grupos.

Nesse ponto, me distancio um pouco de Rawls ao apelar para uma terceira modalidade que chamarei de "Razão Íntima", que difere da "Razão Privada", porque esta última ainda é em algum nível "social", ainda que num âmbito restrito. Também não se trata exatamente da noção kantiana com o mesmo nome.

A Razão Íntima que quero destacar pode ser total e completamente inviolável, e incomunicável, desde que seja racional, diferindo assim dos impulsos, vontades e outros elementos psicológicos que existem, mas que não podem ser racionalmente justificados pelo indivíduo nem mesmo para si próprio, principalmente por serem de difícil cognição.

Este último grupo aqui não interessa, mas sim esta Razão Íntima, que é aquela que o individuo pode compreender com clareza para si, mas que pode não estar disposto a comunicar nem mesmo a seus pares mais próximos. Ou, que seja em algum grau possivelmente racional, mas que o indivíduo ainda não consiga esquematizá-la plenamente, ocasião na qual, quando o fizer, poderá estar sujeito a mudança de opinião. Pouco importa.

O que importa é que tal razão só precisa considerar a satisfação de disposições psicológicas internas. O indivíduo "sabe" que tal ação irá lhe trazer alguma satisfação, e por isso, racionalmente, age em prol da mesma.

Se encontrar outros indivíduos que compartilhem da mesma peculiaridade, suas Razões Íntimas podem se converter numa Razão Privada, num sentido sociológico de privacidade, isto é, de um grupo. Porém a razão deste grupo só é compartilhada na medida em que compartilham de disposições em comum.

Para a Razão Pública, essas disposições específicas não são suficientes, mas sim disposições que tendam a ser compartilhadas pela grande maioria da sociedade, e assim, o que impede a intersecção da Razão Privada e da Razão Pública é que elas tem objetos primários normalmente incompatíveis.

Por exemplo: Alguém pode considerar que o uso de tal tipo de corte de cabelo é altamente incômodo, e realmente se sentiria muito melhor se este fosse eliminado da sociedade via proibição legal. Essa pessoa pode se juntar a outros com a mesma propensão, e pode criar um grupo que vise promover essa atitude.

Porém, num nível público mais amplo, a maior parte das pessoas não irá compartilhar dessa mesma consideração incomodada, em especial aqueles que apreciam tal corte de cabelo, assim, tal debate não é legítimo de ser levado à instância de decisões pública de uma democracia, por falta de interesse público. Ou seja, razões íntimas, mesmo unificadas numa razão privada, não podem penetrar no espaço jurídico e legislativo, pois este deve ser pautado somente pela Razão Pública.

No entanto, há uma falha nessa mera distinção que pode por em risco a divisão racional pública e privada, que é o grau de disseminação dessa possível disposição psicológica. Se ela for compartilhada pela maioria da população, em especial uma maioria esmagadora ou com grande poder de persuasão, é perfeitamente possível, e frequentemente recorrente, que essa Razão Privada invada o espaço da Razão Pública.

Portanto, quero adicionar um outro parâmetro final para auxiliar na manutenção, ao menos teórica dessa fronteira, que é uma razão que pretendo chamar de Universal.

Razão ÍNTIMA - Razão PRIVADA - Razão PÚBLICA - Razão UNIVERSAL

Trata-se do conceito que dá fundamentos "absolutos" a uma instância racional, um sistema de pensamento que embasa um modelo que resista mesmo à tirania da maioria. Evidentemente, trata-se de um mecanismo de auto proteção, que impede que o sistema democrático se autodestrua.

Essa Razão Universal deve apelar a valores que num certo momento histórico estiveram em baixa, valores absolutos. No sentido de não admitirem relativização. Tais valores, no entanto, devem ser suficientemente fundamentais para garantirem uma base segura, mas não permitirem um bloqueio em outros níveis conceituais.

Evidentemente que essa Razão Universal, na realidade, pressupõe uma razão fundamental, que contempla os princípios lógicos formais que sustentam nossa racionalidade, em especial, os princípios de identidade, não-contradição e terceiro excluído. Assim, essa Universalidade em questão seria o simples fato de que os argumentos no âmbito de tal racionalidade serão passíveis de ser verificados por qualquer pessoa cognitivamente sã.

Assim, a Razão Íntima não poderá penetrar na Razão Pública, por meio da Razão Privada, por que não contém o pressuposto da Universalidade, ou seja, não ser capaz de ser contemplada e sustentada por todas as pessoas que estejam em condições mentais ditas "normais".

Como exemplo, um estado laico não tem como invocar sua secularidade como um princípio fundamental sem, em algum grau e ou momento, entrar numa discussão filosófica que penetra em terreno teológico. A quase totalidade das religiões não possui um sistema puramente racional, em especial as grandes religiões, e a totalidade absoluta das religiões não podem oferecer sustentação empírica que possa ser examinada racionalmente.

Portanto, a única forma de manter as religiões fora da esfera de poder público é por meio do apontamento de sua insuficiência como sistemas racionais. Pois um simples apelo pela representatividade, como afirmar que tal ou qual designação não corresponde aos anseios de outros segmentos populacionais, só será eficaz enquanto tal designação não for política e numericamente significativa.

Quando um movimento social conseguir agrupar a maior parte de uma população numa identidade religiosa coesa, e conseguir obter poder suficiente, é inevitável que passe a invadir e até se apoderar do poder político, mas nesse caso, ficará claro que sua razão não é universal, visto que milhares de anos de teologia nos deixaram claro que é impossível sustentar uma religião em bases puramente racionais e muito menos universais, isto é, de pressupostos que façam sentido a todos.

Por fim, apelar à tal universalidade pouco mais é do que apelar à racionalidade em si, pois nesse âmbito, deve-se ir aos mais básicos fundamentos da cognição, ou estar aberto à possibilidade de fazê-lo. Em geral, porém, não costuma ocorrer, visto que a maior parte das decisões polêmicas tem objetos que escapam a uma redução racional, mas não por impossibilidade essencial, mas sim circunstancial.

Um debate sobre política monetária costuma ficar num impasse porque não temos todos os elementos necessários para demonstrar claramente que tal ou qual proposta é mais adequada. Faltam-nos evidências empíricas, e melhores teorias. Mas estamos dispostos a aceitar exemplos de aplicações em contextos para reforçar nossos argumentos, e em geral concordamos que se perfeitamente aplicada, seguindo um plano básico, e o resultado por insatisfatório, haverá algo errado com a política em si.

Assim, é a incompletude e natureza caótica dos sistemas sociais e econômicos que nos impede de objetivamente constatarmos os meios mais eficientes de realizar os estados de coisas pretendidos, mesmo quando todos concordam que um estado tal é a meta a ser atingida. Não é um pressuposto fundamental que foge da investigação racional, como no caso das religiões.

Há porém, um aparente paradoxo que espero estar evidente. Como conciliar uma Razão Universal com a ideia de valores fundamentais absolutos, como os anteriormente propostos?

De Volta à Teoria do Poder...

...que esbocei em Defesa da Democracia, proponho pensar que os humanos, com possíveis poucas exceções, possuem uma forte necessidade de idolatrar algo. Em geral divindades, mas podem também ser governantes, líderes, gurus espirituais, artistas e ídolos em geral. Os mais exóticos podem se voltar a um tipo de adoração artística, contemplativa, da natureza ou da própria capacidade criativa humana, de símbolos ou grupos sociais. Podem, enfim, adorar narcisisticamente a si próprios, a ideais abstratos, aos prazeres sensoriais ou à uma outra pessoa, contraparte, amigo, familiar, etc.

Tal necessidade de adoração foi sempre largamente explorada pelas lideranças, a adoração a um rei imperou sobre a Europa por milênios, em parte ainda impera, e também pelo oriente. Essa tendência a se render a um objeto de contemplação que é em algum grau, sempre divinizado, pode ser vista como uma espécie de rendição a um ideal visto como absoluto, sagrado e acima das críticas. Tal predisposição psicológica sempre foi um poderoso instrumento com o qual os líderes puderam manipular a força do povo, obtendo poder.

Colocar o Rei, o Estado, a Religião Estatal ou uma Ideologia como objeto de adoração é nada menos que vital para a manutenção de um sólido estado de coisas. A propensão humana à idolatria quando canalizada a um objeto que centraliza e ou representa o poder costuma ser uma fórmula bastante eficiente de fortalecer um regime político.

Nos estados totalitários contemporâneos, costuma haver idolatria da figura ditatorial em moldes bem similares ao dos reis absolutistas da Idade Moderna. E mesmo nos sistemas mais democráticos e liberais, há nítida idolatria de valores ideológicos como a própria Liberdade em si, ou o orgulho fraternal pela pátria.

O nacionalismo é uma forma evidente de auto idolatria dos povos, uma das manifestações da Fraternidade. Porém, se quisermos situar uma Fraternidade Universal, tal idolatria deveria cair não sobre uma nação em natural detrimento das demais, mas sobre a própria ideia de humanidade em si. Portanto, a valorização da existência e experiência humana deve ser tornada um fundamento de teor absoluto, como o foi na Declaração Universal dos Direitos Humanos, apesar de aí haver uma falha a ser comentada adiante.

Nesse sentido, foi dado um passo teórico importantíssimo que, descendendo dos ideais da Revolução Francesa, visou estabelecer uma base fundamental e legal para nortear nossos sistemas políticos e sociais. Mas além da ainda insuficiente adesão a tais princípios, há o problema de que estes jamais tiveram tanta capacidade de canalizar atenção quanto ainda o tem os sistemas religiosos, que em sua maioria são incompatíveis com tais ideais.

Enfim, o que deveria ser buscado é um tipo de antropocentrismo, uma devoção aos ideais humanitários em si, que devem ser colocados como valores absolutos e não relativizáveis. Seria colocar o Ser Humano como centro em primeiro lugar, e não deuses, messias, nações ou ideologias.

E aproveitando o tema, sustento que acusar as religiões de antropocentristas é uma impropriedade conceitual. O dito "destronamento" da visão de mundo geocentrista e criacionista religiosa pelos avanços da ciência não poderiam jamais ser considerados como uma derrota do antropocentrismo, porque estas jamais o foram.

Tais religiões não colocam o ser humano por si como valor fundamental, mas sim sua submissão a uma divindade, e um sistema de crenças em especial, que sendo uma construção cultural específica, é Etnocêntrica!

Um Apelo Egocêntrico à Posição Inicial

O apelo a Razão Universal então pode ser invocado onde alguma aparente contradição parece despontar, pois poderia se pensar que um apelo fundacionalista absoluto como esse careceria de sustentação racional pura. Mas uma simples reflexão pode mostrar o contrário.

Partindo do pressuposto de que todo ser humano tem apego à própria vida e bem estar, é evidente que todos irão concordar que ter sua própria existência em algum grau garantida e beneficiada é desejável. Nisto reside o apelo universal.

"Que algo seja bom para mim", tem apelo para qualquer ser humano normal, em condições normais, já "que algo seja bom para o outro" pode não ter, bem como "que algo seja bom para todos", mas o "Todos" em questão evidentemente inclui o "Eu".

Defender um sistema benéfico para Alguns e não outros, não pode ter apelo universal, pois não será capaz de satisfazer em qualquer circunstância o "que é bom para mim", mas para Todos necessariamente tem que satisfazer tal apelo egocêntrico, ainda que a extensão ao todos possa ser incômoda para o indivíduo em questão.

Para sintetizar, basta pressupor o seu contrário, "que algo seja ruim para mim", que não é desejável, mas inevitável se um sistema não pressupor o benefício universal, bem como, em grau mais extremo, se pressupor o prejuízo universal.

Assim, a gradação evidente vai de: "Ruim para Todos" => "Ruim para Alguns e Bom para Alguns" => "Bom para Todos", mostrando que o último caso será racionalmente preferível mesmo para aqueles que pensem que nem todos devem ser beneficiados, pois ele correria o risco de estar entre os prejudicados.

De certo que haverá miríades de formas de se sabotar esse sistema simples, mas o que pretendo mostrar é que nenhuma dessas formas jamais poderá ter apelo universal, e somente esta, ainda que possa não ter, é a ÚNICA que PODE ter.

Basta pensar em grupos pequenos, facilitadores, e pensar em termo da posição inicial de John Rawls, onde todos concordam numa distribuição de bens inicial equitativa pois num segundo momento ninguém sabe quais serão as condições reinantes. Ou seja, ante a possibilidade de tudo ou nada ter, é preferível concordar com algo ter, em condições equivalentes com os demais.

Uma turma, por exemplo, concordará que entre "todos serem reprovados", "alguns serem aprovados e outros não" e "todos serem aprovados", a última situação é preferível, mesmo que se considere injusto que os preguiçosos tenham o mesmo benefício dos esforçados.

É claro que há alguma injustiça embutida, pois a recompensa é notoriamente desigual, mas estamos falando de uma situação cega, que não vê as especificidades, e é nesse sentido que estou colocando essa pretensão de universalidade, um valor absoluto que não é relativizável, ou seja, não será alterado de acordo com tal ou qual circunstância.

Isso é necessário porque sistema parcial algum jamais poderá garantir para alguém que ele necessariamente será beneficiado. Alguém pode ser um adepto de um tipo de Totalitarismo Genocida, mas apenas porque pressupõe que não estará entre os prejudicados. Tal pressuposição, porém, é arbitrária, e exemplos históricos não faltam de situações onde pessoas foram severamente prejudicadas pelos sistemas que elas próprias apoiaram e ajudaram a criar.

Assim, a única forma garantida de assegurar o próprio benefício é pressupor sua universalidade não relativizável.

Aplicação Final

É claro que também podemos atacar essa proposta em seu núcleo, negando que todos queiram o próprio benefício, mas tal ideia pode ser facilmente acusada de contraditória, pelo próprio princípio de não-contradição.

Se todo ser humano possui uma vontade, impulso ou volição, ela deve se direcionar a alguma coisa, aquele que direcionar sua volição contra si próprio só poderia fazê-lo parcialmente, pois totalmente provocaria sua imediata auto destruição.

Assim, ao menos em algum grau ele tem que querer o próprio bem, e em momento algum é necessário afirmar que o pressuposto acima tem que ser exclusivo, como "os humanos só querem o próprio bem". Portanto, ao tomar a propensão ao próprio benefício como um parâmetro fundacional, estou colocando-a como contida em todo ser humano, não como contendo Todo O ser humano. A única pessoa que poderia violar esse pressuposto é quem provocasse sua imediata auto destruição, e que tivesse um apelo negativo à não existência, pois do contrário, mesmo o suicida estaria visando um bem.


Se todos querem o próprio bem, então é imperativo que para isso queiram algum grau de Liberdade, e tal grau pressuporá estar livre de poder externo que possa subtrair-lhe tal desejo, portanto, deve desejar também algum grau de Igualdade, para impedir que o desigual superior o subjugue.

Portanto um equilíbrio entre Igualdade e Liberdade é inevitável, pois mesmo querendo a máxima liberdade, essa pretensão não pode ser universal, visto que outros ao possuir a máxima liberdade, também poderiam minar a "minha" liberdade.


Deve haver portanto alguma igualdade para evitar que a grande diferença entre as pessoas permita esse ataque a liberdade pessoal, situação para qual temos milhares de anos de história para nos dar exemplos infindáveis.

De certo que haverá sempre dificuldade para delimitar qual o grau correto desses dois valores, mas o simples pressuposto de universalidade já nós é suficiente para eliminar desgraças como escravidão, servilismo ou empregatismo desumano.

Vimos, no texto Igualdade e Liberdade que se duas pessoas tiveram as mesmas oportunidades, e resultarem em situação desigual, isso não poderá ser considerado injusto, mesmo porque muitas vezes a desigualdade é voluntária. No entanto, a transmissão hereditária dessa desigualdade é um dos maiores obstáculos à manutenção da igualdade, sabotando na base a desejável premissa de oportunidades iguais para todos.

Podemos invocar então a Fraternidade para nos socorrer nessa dificuldade, no sentido de que ainda que haja desigualdades nas oportunidades fundamentais, é preciso uma igualdade mínima, é isso certamente só será possível com alguma intervenção no sistema educacional, de saúde e segurança, que garanta que todos recebam ao menos o suficiente para seu pleno desenvolvimento e realização, e os valores a serem transmitidos tem importância capital.

Os fundamentos absolutos do sistema de pensamento, juntamente com sua formação racional, devem ser transmitidos universalmente, caso contrário, o sistema democrático tende a fomentar sua própria auto destruição, como já vem ocorrendo a exemplo de países que permitem educação privada de suas crianças que podem ser criadas com valores exclusivistas, anti-democráticos, totalitaristas ou absolutistas no mau sentido.

Se tais contingentes passarem a aumentar em ritmo significativo, que é o que de fato vem acontecendo no caso, por exemplo, de famílias religiosas, é simplesmente impossível evitar que quando a população for majoritariamente de tal seguimento religioso, tais valores da razão íntima irão invadir o poder público e o resultado será aquilo que a história não cansa em demonstrar como desastroso, e os agentes de tal desastre só não vêem isso por vezes porque sequer tiveram acesso a tal conhecimento, por vezes por acreditarem estar num limiar profético escatológico, ou por de fato desejarem valores não universais que fatalmente os colocarão em franca hostilidade com seus vizinhos.

A Europa já tem enfrentado situações onde, mantidas as mesmas circunstâncias, em menos de meio século países outrora iluministas como a França inevitavelmente terão um governo muçulmano prestes a implantar uma teocracia.

Não é dessa fraternidade que temos necessidade, mas de uma Fraternidade Universal, cujos valores tem que ser repassados aos neófitos, mesmo que contra a vontade de seus pais! É a única forma de fornecer-lhes alguma defesa contra educações privadas bitolantes que inibirão aquilo que a educação laica jamais poderia inibir, a livre escolha.

A presença interventora do estado neste caso não é uma mera opção, é vital para a própria perpetuação do sistema. Isso é uma constatação inevitável quando observamos o único ponto da Declaração Universal dos Direitos Humanos que apresenta um problema grave.

Artigo XXVI

1. Toda a pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito.

2. A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos humanos e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz.

3. Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o gênero de educação a dar aos filhos.

O item 3 abre a possibilidade de violação dos itens anteriores (quando a educação restrita ao lar é "gênero" disponível) em especial das partes grifadas do item 2, visto que mesmo em países democráticos e desenvolvidos como os E.U.A ou a França, permite-se a Educação Doméstica, na maioria das vezes por razões religiosas. Normalmente, os principais pontos de discordância dessas famílias em relação à educação "pública" (incluindo a privada, que também se submete a parâmetros regulatórios comuns) são os valores laicos e universalistas ensinados, como os sublinhados acima.

Como se vê em Homescholling - Motivations, razões religiosas aparecem em segundo lugar nas estatísticas que levam os pais a educarem seus filhos em casa, no entanto as razões que aparecem em primeiro são vagas, podendo ser incluídas dentro do motivo religioso, bem como as razões de ordem moral. E isso em países onde o ensino público estatal é de boa qualidade, e os problemas de segurança nas escolas, que seriam boas justificativas tanto em países menos desenvolvidos como nos E.U.A, nem sequer aparecem nas estatísticas.

Ou seja, ocorre a possibilidade de crianças serem educadas em um país democrático, totalmente fora dos valores democráticos, pois se mesmo cursando a educação "pública" já é possível à famílias idiossincráticas transmitir valores não democráticos a seus filhos, que dirá se estes não tiverem direito a cursar uma educação externa, visto que mesmo submetida a alguns controles estatais, a educação em casa poderá se esquivar de transmitir certos conteúdos obrigatórios, ou não transmitir certos conteúdos restritos, de forma incontrolável.

Visto a notável intercessão entre os adeptos da Educação Doméstica e os fundamentalistas religiosos, o resultado inevitável da educação doméstica em larga escala será a demolição do sistema democrático e laico em sua base. Essa violação da igualdade fundamental tem não apenas como resultado o reforço da desigualdade subsequente, em especial na que foi historicamente a mais primária, a religiosa, mas também entra em conflito direto contra uma noção de Fraternidade Universal, visto que visa construir identidades étnicas exclusivistas que obedecem a conceitos absolutos "particulares", isto é, não universalizáveis.

O ápice final de um sistema de coisas assim, como já foi sugerido, seria a instituição de uma nação religiosa, que como sabemos, termina por "universalizar" o sistema de ensino antes minoritário, igualizando-os num novo estado que termina por minar as conquistas libertárias históricas.

No caso de não haver uma, mas duas tradições religiosas rivais a crescer de forma significativa, a tendência é um estado de hostilidade que corre sempre o risco de guerra civil.

Em Defesa de uma Democracia Universal

A desigualdade de ordem puramente econômica não oferece maiores ameaças se não afetar a formação fundamental dos indivíduos, a não ser, é claro, nos casos de baixíssimo nível do sistema educacional oferecido às classes menos abastadas. Havendo um nível mínimo bom, a existência de níveis otimizados acessíveis somente a membros de uma elite econômica é cada vez menos um fator de desigualdade educacional significativo, devido ao barateamento e sofisticação dos meios de acesso à informação, que tendem a privilegiar cada vez mais o esforço pessoal.

Mas se não for oferecido aos estudantes os conteúdos básicos, ou os mesmo vierem acompanhados de diversas formas de censura ou propaganda ideológica quer de ordem religiosa ou meramente política, a tendência é uma perpetuação da desigualdade fundamental, independente da questão econômica.

Isto tudo, é claro, estamos falando dentro de um país onde os valores liberais são mais disseminados, se voltarmos nossa atenção para a situação inversa, notaremos sistemas educacionais universalmente impostos a toda uma nação, de forma muito mais igualitária do que conhecemos, mas aí, gerando a situação inversa, um cerceamento da liberdade, que em última instância visa a criação de uma fraternidade restrita, com base em valores absolutistas.

A Democracia, isto é, um governo onde todas as pessoas sejam cidadãs, e todas possam ser representantes legais, bem como eleger representantes legais de sua própria escolha, é sem dúvida o melhor sistema que conseguimos construir até agora, como espero ter deixado bem estabelecido em Defesa da Democracia.

Sofre, porém, de uma fragilidade já denunciada desde Platão, mas a mesma pode ser compensada por diversos mecanismos de auto preservação, que ainda estão em aperfeiçoamento.

Em paralelo, nossos valores atuais, expressos principalmente pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, são uma constante busca por liberdade, como veículo para a auto realização pessoal, mas ao mesmo tempo temos que manter uma igualdade fundamental, como forma de permitir que a própria liberdade seja universalmente acessível.

A tensão Igualdade e Liberdade, deve ser administrada, e a forma mais eficaz de fazer isso é apelando para uma noção de Fraternidade, que nunca poderá se sustentar de forma plena e universal sem uma valoração que remeta a fundamentos outrora exponenciados em regimes autoritários como o velho Absolutismo.

Esses são os vértices, ou os lados, ou mesmo as faces, de um delicado Tetraedro ideológico que serve de mapa ilustrativo de nossos movimentos políticos atuais.

Podemos dizer que os séculos mais antigos foram a era do Absolutismo, os séculos XVII, XVIII e XIX a era do Liberalismo, e o século XX do Igualitarismo, incluindo alguns excessos Fraternais.

Esperamos que o século XXI traga uma nova era, a da Fraternidade Universal, pois equilibrar os valores da Igualdade, Liberdade, Fraternidade e Universalidade, é a forma de garantir a perpetuação de uma Democracia Universal.

Recomendo a leitura do texto completo - que procuro estimular com a apresentação dos trechos reformatados acima:

Liberdade, Igualdade e Fraternidade

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